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  • Foto do escritorRichard Lira Borges

DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA: CONCEITOS IMPORTANTES

SOCIEDADE LIMITADA

 

1.     Da Proteção Patrimonial dos Sócios

 

Normalmente o empresário brasileiro de origem humilde inicia sua trajetória através da constituição de uma empresa enquadrada como MEI. Através do regime tributário favorável aos microempreendedores individuais, a empresa pode se desenvolver com maior facilidade, pagando menos impostos e garantindo que seja dada formalidade à atividade exercida.

 

Entretanto, como já tratado em outro artigo, o MEI tende a ter a sua classificação alterada com o passar do tempo, visto que o aumento do faturamento irá gerar a obrigatoriedade do reenquadramento como ME. Na condição de ME, a atividade pode continuar sendo exercida pelo empresário individualmente, como também pode ser instituída uma sociedade, com personalidade jurídica.

 

Dentre as espécies societárias disponíveis no ordenamento jurídico, a sociedade limitada (Ltda) é a que oferece maior flexibilidade em sua estruturação jurídica em relação as demais. Não por acaso é o tipo societário predominante no país, representando em torno de 90% das sociedades brasileiras.

 

Com a constituição da sociedade limitada, instaura-se um regime de separação patrimonial entre empresa e seu sócio. As dívidas, créditos e bens deverão ser separados em dois, os que pertencem a empresa e os que pertencem ao sócio. E, com essa divisão o patrimônio dos sócios fica resguardado de ser objeto de pedidos opostos contra a empresa, tornando sua atividade empresarial independente e incomunicável com os bens, dívidas e créditos pessoais.

 

A divisão patrimonial é muito importante para trazer tranquilidade aos sócios, porém ela não é absoluta, podendo ser contornada nas hipóteses previstas na legislação. Trazemos alguns exemplos a seguir.


2.     A Desconsideração da Personalidade Jurídica

 

Com fim de coibir abusos por parte dos sócios das empresas, surgiu no meio jurídico a doutrina da desconsideração da personalidade jurídica, pela qual os credores poderão atingir o patrimônio dos sócios, ainda que as obrigações originalmente sejam da pessoa jurídica, independente e autônoma do sócio.

 

Essa doutrina foi tomando diferentes contornos e teorias, conforme a espécie da relação jurídica constituída. Assim, pode-se dizer que a desconsideração será diferente, em termos de exigências e condições, dependendo do plano de fundo do ato/negócio jurídico celebrado. As relações cíveis em geral serão reguladas pelo Art. 50 do Código Civil, ao passo que as relações de consumo e de trabalho são reguladas por normas próprias e menos criteriosas do que a primeira.

 

Nesse sentido, é importante que o sócio entenda que não existe uma proteção absoluta e irrestrita ao seu patrimônio, ainda que haja o chamado véu da personalidade jurídica, evidente redutor de riscos patrimoniais.

 

Para melhor se resguardar contra eventuais medidas de desconsideração da personalidade jurídica, recomenda-se entender minimamente as hipóteses de sua incidência e evitar situações nas quais possa-se evocar a medida referida.

 

3.     Código Civil e Teoria Maior

 

Pelo Código Civil, que rege todas as relações jurídicas não especializadas (trabalhista, consumo etc.), é autorizada a desconsideração da personalidade apenas em hipóteses bem delimitadas e específicas. Privilegia-se nesse sistema a individualidade das pessoas jurídicas e naturais, mantendo-se o espírito originário da teoria da personalidade jurídica e da separação patrimonial.

 

De acordo com a referida norma, mais especificamente o caput do Art. 50:


Em caso de abuso da personalidade jurídica, caracterizado pelo desvio de finalidade ou pela confusão patrimonial, pode o juiz, a requerimento da parte, ou do Ministério Público quando lhe couber intervir no processo, desconsiderá-la para que os efeitos de certas e determinadas relações de obrigações sejam estendidos aos bens particulares de administradores ou de sócios da pessoa jurídica beneficiados direta ou indiretamente pelo abuso.

 

 A doutrina convencionou a chamar a hipótese de desconsideração do Código Civil de teoria maior, pois há maior número de exigências à sua decretação. Nesse sistema, o patrimônio dos sócios somente será afetado em caso de terem se beneficiado por algum abuso cometido no uso da personalidade jurídica.

 

Aproxima-se muito da figura da responsabilidade civil em geral, pois deve verificar, ao menos, a ocorrência de culpa pelas pessoas dos sócios ou administradores. É certamente o cenário ideal, não fazendo com que aqueles respondam por situação as quais não deram causa.

 

Com a própria lei é possível entender o que seria o abuso da personalidade jurídica, o qual se caracteriza nas hipóteses de desvio de finalidade ou confusão patrimonial. Conforme §1º do artigo legal, o desvio de finalidade ocorre quando há utilização da pessoa jurídica com o propósito de lesar credores e para a prática de atos ilícitos de qualquer natureza.

 

Já a confusão patrimonial pode ocorrer no (i) cumprimento repetitivo pela sociedade de obrigações do sócio ou do administrador ou vice-versa, (ii) transferência de ativos ou de passivos sem efetivas contraprestações, exceto os de valor proporcionalmente insignificante; e (iii) em outros atos de descumprimento da autonomia patrimonial. São situações que, de fato, configuram uma utilização indevida da estrutura societária, acabando por desvirtuar a função da empresa.

 

Há muito que se falar sobre a desconsideração no âmbito da teoria maior, entretanto no momento deseja-se apenas que o leitor tenha uma ideia da existência da desconsideração da personalidade e suas fundamentações principais.


4.     Código de Defesa do Consumidor e Teoria Menor

 


PROTEÇÃO PATRIMONIAL

Quando se trata de relação de consumo, os sócios deverão ter um cuidado dobrado para se resguardarem de pedidos de desconsideração, pois o §5º do Art. 28 do Código de Defesa do Consumidor dispõe que “poderá ser desconsiderada a pessoa jurídica sempre que sua personalidade for, de alguma forma, obstáculo ao ressarcimento de prejuízos causados aos consumidores”.

 

Em suma, pode-se dizer que a simples ausência de suficiente patrimônio da empresa para arcar com alguma obrigação perante o consumidor será razão para acionamento judicial dos sócios. Dado os poucos requisitos, esta é a chamada teoria menor da desconsideração, considerada mesmo por alguns autores como uma forma de responsabilização diversa da desconsideração, justamente por não conter os requisitos tradicionalmente exigidos na teoria maior.

 

Nesse caso não se fala de culpa do sócio, o qual pode nada ter feito para gerar prejuízos aos consumidores, mas que poderá responder por simplesmente possuir participação da empresa. Ressalta-se que o sócio demandado através da desconsideração da personalidade jurídica pode ser tanto outra pessoa jurídica (PJ) quanto uma pessoa natural, visto ser comum a participação por meio de outras PJs.

 


5.     Desconsideração da Personalidade Jurídica na CLT

 

Na CLT (Consolidação das Leis Trabalhistas) há uma disposição sobre a desconsideração da personalidade jurídica no Art. 855-A, determinando que seja aplicado o disposto no CPC (Código de Processo Civil). Na prática permanece a dúvida de ser aplicada a teoria menor ou maior, visto o diploma ter se preocupado apenas em especificar a lei processual aplicável e não a fonte do direito material.

 

Ao que parece há divergência entre os juristas da área, porém com certa inclinação a teoria maior, uma vez que o Direito Civil acaba servindo de norma subsidiária a todos os ramos do Direito, por ser a fonte do Direito Comum, por excelência, da qual as demais áreas sempre extraem conceitos basilares e gerais.

 

A desconsideração não deve ser confundida com a previsão do Art. 2º, §2º da CLT, conforme a melhor doutrina[1], pois a norma em comento trata-se de caso de responsabilização decorrente de obrigação solidária. Nesse caso, não se fala de desconsiderar a personalidade jurídica por incompatibilidade dos conceitos.

 

 

6.     Desconsideração da Personalidade x Continuidade da Empresa

 

Pare evitar qualquer confusão, importante esclarecer que a desconsideração da personalidade jurídica é ato jurídico pontual, não afetando a solidez da personalidade jurídica instituída. É por isso que também convencionou-se a dizer que por meio do instituto da desconsideração levanta-se o véu societário, apenas para executar a obrigação que fundamentou o pedido de desconsideração.

 


A

Ignora-se a personalidade jurídica por breve momento, apenas para cumprir obrigação determinada, conforme as condições e procedimentos previstos em lei. Se de outra maneira fosse, restaria irremediavelmente prejudicada a proteção e a separação patrimonial esperada das empresas de responsabilidade limitada.

 

7.     As Empresas de Responsabilidade Limitada ainda são úteis na proteção do Patrimônio dos seus Sócios?

 

Embora existam exceções que permitam ao credor da empresa alcançar de alguma forma o patrimônio do sócio, ainda permanece a separação patrimonial como regra, sendo necessária a instauração de incidente específico para pleitear a excussão do patrimônio dos sócios na maioria dos casos.

 

Nesse sentido, a desconsideração da personalidade é um instrumento útil para os credores que se encontram na posição de vítimas de fraudes e abusos operados por sócios e administradores de pessoas jurídicas. Por outro lado, os critérios legais, principalmente na teoria maior, fornecem aos sócios as garantias necessárias de não terem seus patrimônios pessoais expostos por motivos fúteis ou sem um atendimento de rigorosos critérios de responsabilidade.

 

 

8.     O Que Fazer ao Ser Demandado em Incidente de Desconsideração?

 

O pedido de desconsideração não deve ser recebido com desespero, mas sim com muita cautela e diligência. Imprescindível a procura e constituição de um advogado de confiança, para apresentar a defesa mais adequada e reduzir os riscos decorrentes dos pedidos de desconsideração.

 

Há estratégias que podem por a salvo o patrimônio dos sócios ou administradores, desenvolvidas com base no conhecimento do instituto da desconsideração, impedindo assim que se convalidem decisões arbitrárias e injustas. Nessa situação, a assessoria de um advogado capacitado poderá fazer toda a diferença ao fazer valer os direitos de personalidade e separação patrimonial.

 


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Richard Lira Borges (OAB/SP 438.493) – Advogado de Negócios

 


[1] RODRIGUES FILHO, Otávio Joaquim. Desconsideração da Personalidade Jurídica e Processo. 2ªEd. São Paulo: RT, 2023.

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